Número de usuários ainda é alto, mas EUA conseguiram reduzir violência relacionada à droga.
WASHINGTON – Em janeiro de 1990, uma operação conduzida pela polícia de Washington e pelo FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) resultou na prisão do então prefeito da capital americana, Marion Barry, por consumo e porte de crack. O escândalo, amplamente noticiado, mostrava que a chamada “epidemia de crack” que assolava o país não poupava nem mesmo as altas esferas do poder.
- Tiago Queiroz/AE Usuários de crack no centro de SP. Por Tiago Queiroz/AE
Hoje, 20 anos depois, os Estados Unidos conseguiram reverter os índices de criminalidade relacionada à droga, e sua experiência pode servir de exemplo para países que enfrentam o mesmo problema, como o Brasil.
“Até certo ponto, a abordagem policial usada em São Paulo é similar ao que foi feito nos Estados Unidos”, disse à BBC Brasil o pesquisador Russel Falck, diretor associado do Centro de Intervenção, Tratamento e Pesquisa em Dependência da Wright State University, em Ohio.
Desde o início deste ano, foi lançada em São Paulo uma operação policial para dispersar os usuários e traficantes da chamada “cracolândia”, no centro da cidade.
“Não há dúvida de que reduzir a oferta de crack nas ruas é uma parte importante da equação para solucionar o problema”, afirma Falck.
No entanto, apesar do sucesso na queda dos índices de criminalidade, o pesquisador afirma que a epidemia americana não acabou, já que o consumo de crack permanece alto no país.
“Nós ainda temos um problema aqui. Acho que uma mensagem importante é que não é possível solucionar o problema só com prisões. Colocar pessoas na cadeia sai extremamente caro. As autoridades deveriam considerar redirecionar parte desse dinheiro para tratamento e prevenção”, diz.
Medidas
O reforço do policiamento nas ruas, as prisões em massa e o endurecimento das leis contra o tráfico (com penas muito mais duras do que para outras drogas) são apenas algumas das medidas adotadas nos Estados Unidos para reverter a explosão de violência que marcou a epidemia de crack, período que vai de 1984 até o início da década de 90.
A taxa de homicídios no país, de quase 10% para cada 100 mil pessoas em 1990, foi reduzida pela metade.
Em Washington, o número de assassinatos caiu de 482 há 20 anos para 131 em 2010. Em Nova York, a queda foi de 2.245 homicídios em 1990 para pouco mais de 500 em 2010.
No entanto, a queda nos índices não pode ser creditada apenas à ação policial e às leis mais rígidas, e diversas outras teorias tentam explicar como os Estados Unidos conseguiram combater o problema, que atormentava não apenas as principais grandes cidades do país, como Nova York, Los Angeles ou Miami, mas também pequenas comunidades rurais no interior.
“Minha pesquisa sugere que não foi necessariamente uma intervenção do governo que solucionou o problema, mas sim a evolução de forças sociais e de mercado”, disse à BBC Brasil o economista Paul Heaton, analista da Rand Corporation e autor de estudos sobre o impacto da epidemia de crack nos Estados Unidos.
Segundo o economista, uma das explicações para a queda na violência é a acomodação natural do mercado do crack, passada a novidade dos anos iniciais.
“Uma das maneiras de pensar sobre o crack é como qualquer novo produto que chega ao mercado. Inicialmente, há várias companhias (ou, no caso, gangues rivais) competindo entre si. Mas com o tempo algumas poucas acabam ganhando o controle do mercado”, afirma.
Há ainda outras teorias que relacionam a queda na violência ao envelhecimento da população, mudanças demográficas ou até mesmo à legalização do aborto.
Usuários
Mas apesar do sucesso na redução dos crimes relacionados ao crack e de o consumo ter caído em relação ao pico da epidemia, os Estados Unidos ainda têm mais de 9 milhões de usuários (segundo os dados mais recentes, de 2010), e o fracasso na erradicação do uso da droga também pode servir de exemplo ao Brasil, dizem os especialistas.
“Apenas tentar desarticular o mercado de drogas, sem implementar outros programas para ajudar as pessoas que querem tratamento, não tem tantas chances de funcionar quanto uma abordagem multifacetada que envolva não apenas ação policial, mas também o fornecimento de serviços (aos usuários)”, diz Heaton.
Segundo Falck, falta nos Estados Unidos um esforço para prevenir o uso de crack, como houve em campanhas bem-sucedidas em relação ao fumo e ao álcool, ou mesmo a outras drogas ilícitas, como a maconha.
“Nunca houve nada parecido em relação ao crack. As campanhas educacionais com maior sucesso provavelmente ocorreram de forma espontânea nas comunidades em que as pessoas viram seus amigos e familiares serem devastados pela droga. Isso serviu como um exemplo e uma razão para não se envolverem com crack”, diz o pesquisador da Wright State University.
Falck observa ainda que oferecer tratamento é uma questão “extremamente problemática”, já que há apenas terapias sociais e psicológicas disponíveis e que estudos indicam que a maioria das pessoas que usaram crack “além do estágio experimental” continuam a usar a droga por longos períodos, mesmo se forem tratadas.
“Ação policial e tratamento fazem parte da equação, mas sozinhos não são a solução para o problema”, diz Falck.